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Fuga pela Floresta - Vick, Sabin, Hall e Lian

Sim, ela era uma pessoa ferrada. Fugir tinha sido a ideia mais idiota que tinha tido na última década. Ela tinha que aproveitar a oportunidade, tinha que sair correndo das instalações, claro, tinha que ir para a floresta. Floresta! Onde, em vez de ser espetada com agulhas, seria comida por animais selvagens. Que felicidade! Tinha pensado que nada poderia ser pior que as instalações. Ser observada, humilhada e furada a cada segundo de sua vida. Mas ela estava errada, malditamente errada. Ao menos tinha comida, não estava ao relento, sem lugar para abrigar-se da chuva que em breve, muito em breve, cairia sobre ela. E onde infernos ela estava? Não fazia ideia de quanto tempo tinha estado caminhando, nem para que direção. Como se alguma vez em sua vida tivesse tido algum senso de direção. Não tinha nenhum. Mesmo nas instalações, tinha dificuldades para encontrar seu quarto. Só esperava que morresse logo. Talvez devesse ter ficado onde estava, ter morrido nas paredes brancas, nas mãos enluvadas, vendo os rostos mascarados. O gosto da liberdade era amargo, porque não se sentia livre, mas apavorada.

– Merda!

Que grande merda! Mas que pessoa sortuda era. Tinha que tropeçar em um galho, tudo bem, muito normal para quem está correndo em uma floresta, mas tinha que ser frente a uma clareira, um local aberto onde estaria vulnerável, e tinha, óbvio, que se ferir de modo que não pudesse ir a qualquer lugar. Oh, liberdade, que grande merda é você! Quem foi que disse que era o melhor sentimento que alguém poderia experimentar? Ah, sim, tinha sido sua mãe. Aquela que tinha sido executada por ser considerada louca depois da morte de seu pai. Tinha morrido pelas mãos dos cientistas que cuidaram dela durante toda a vida. Ela nunca tinha conhecido a liberdade. Como podia pregar algo que não conhecia? Não era certo iludir a própria filha com uma imagem enganosa.

Sentou-se, inspecionando o dano do ferimento. Um galho tinha atravessado sua perna, pouco acima de seu tornozelo. Não era muito profundo, se desse sorte, o que obviamente não aconteceria, o ferimento não inflamaria, visto que não tinha nada para lavar ou proteger o machucado. Não que esse fosse o maior de seus problemas, pensou, vendo profundos olhos prateados a encarando. Prendeu a respiração quando o focinho ficou a vista através dos troncos escuros das enormes arvores que cercavam a clareira. Ele cheirou o ar, provavelmente sentindo seu medo, seu desespero, sua quase aceitação da morte iminente, e, então, voltou a encará-la, seus profundos olhos encarando-a com interesse. Quase podia ver inteligência nos prateados. Ficou mais visível, seu comprido corpo passando por entre os grossos troncos, à sua direita. Um pelo negro brilhoso, parecendo muito sedoso, cobria todo o seu corpo. Seus dedos coçaram com a estranha vontade de deslizar entre os fios. Um pouco estranho pensar em acariciar seu executor.

– Eu não tenho um gosto bom. _ Avisou, sem conseguir se conter. – Você não vê? Não lhe pareço pouco atraente?

Deveria ter dito pouco apetitosa. De onde tinha saído o atraente não sabia. Tinha plena consciência de sua aparência, de sua faltosa beleza, tinham lhe alertado isso todos os dias. Mas o lobo não parecia pensar assim. Seus olhos muito inteligentes pareciam divertidos com sua declaração. Ela quase podia ver uma expressão através daqueles olhos e, mesmo que ele parecesse um lobo grande e mau, prestes a devorá-la, havia uma centelha de desejo naqueles olhos, vívido interesse.

Algo chamou a atenção dele, fazendo-o desviar seus olhos dela, mas duvidava que seu interesse tivesse partido. Algo ia mal, soube pela posição de seu corpo, seus músculos estavam duros, suas orelhas levantadas, uma posição de ataque. Ouviu um som do lado esquerdo da floresta e se virou para olhar. Sua respiração saiu em um sopro baixo de espanto. Um enorme tigre saltou para além das folhas, ficando visível. Ele a olhou, ignorando o lobo. Seus olhos castanhos a analisando. Seu focinho se mexeu, cheirando o ar, e ele se voltou para o lobo. Os dentes do lobo estavam expostos, seu corpo inclinado para frente, pronto para saltar. O tigre assumiu a mesma posição de ataque, seus enormes dentes, dentes muito brancos para um ser da selva, brilharam com a fraca luz do sol. Os animais se aproximaram pouco a pouco, seus olhos em uma luta muda, nenhum som sendo emitido por eles. E essa era a sua oportunidade. Enquanto os dois estivessem brigando por sua comida, ela iria rastejar para longe deles. Quando fez seu primeiro movimento, no entanto, ambos os animais a olharam. Paralisou-se no mesmo momento, rezando para que fossem machos possessivos e não resolvessem dividir a comida. Os animais voltaram a se olhar, deixando a postura de ataque. O primeiro a guardar seus dentes foi o lobo, em seguida o tigre recolheu suas garras. Ótimo, pensou, agora os dois chegaram a um acordo. Deveria dizer que era muito magra para alimentar os dois? Talvez voltassem a brigar e assim poderia fugir. Não que sua perna ferida a deixasse ir muito longe deles, também não tinha esperanças de ganhar uma corrida contra qualquer um dos dois. Quando desejou morrer rápido, não imaginou que o destino atenderia seu pedido tão prontamente, enviando, não um, mas dois animais selvagens para devorá-la.

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