top of page

Primeiro Encontro - Thais e Daniel

– O Júlio morreu? _ As lágrimas vieram instantaneamente, assim que assimilou o que o homem a sua frente dizia em tom sério e profissional.

– Você está chorando? _ Apressou-se em lhe oferecer um lenço.

– Me desculpe. _ Aceita o lenço. – É que... Eu não esperava. _ Diz, tentando conter as lágrimas. – Sinto muito.

Devia ser muito estranho ver uma desconhecida chorar a morte de seu pai, ainda mais quando o próprio filho parecia tão abalado quanto uma rocha. Mas ela não podia evitar, Júlio Cesar Brás formara quem era. Ele era um empresário muito bem sucedido que amava ensinar. Conhecera-o ainda nova, aos quinze anos, quando iniciou um curso de gestão empresarial, tendo ele como professor. Fizera administração apenas porque ele a incentivara a fazer. E fez psicologia ao mesmo tempo. Dias difíceis, carregar dois cursos nas costas. Por coincidência, ou não, ele ainda lecionara duas disciplinas a ela durante o curso de administração. Júlio tinha sido seu mentor e estagiara com ele também. O considerava como um amigo, um pai.

– Como eu estava dizendo...

O homem a sua frente voltou a falar. O mesmo tom sério, postura profissional e rosto sem expressão. Daniel Brás. Não sabia que Júlio tinha um filho, ele nunca falara a respeito. Só mencionava a ex-mulher, e não falava coisas boas. O terno escuro de sombreado azul caia bem nos ombros largos. A gravata cinza sobre a blusa perfeitamente branca. Barba feita e os cabelos castanhos penteados pra trás, fazendo-o aparentar mais idade. Lembrou-se que Júlio fazia o mesmo com os fios cinzentos, a única coisa que denunciava seus sessenta anos, pois não aparentava ter muito mais que quarenta. Uma lágrima mais escorreu com a lembrança, sendo rapidamente escondida.

– Meu pai tinha um sócio que cuidava da empresa. Como ambos morreram no acidente de carro, como já te disse, os filhos estão assumindo.

Com filhos ele estava querendo dizer jovens mimados, sem princípios e que fariam de tudo para ter mais dinheiro. É claro que ele era uma exceção. Vendo o escritório bem organizado e a forma como ele se portava sentado atrás daquela mesa, Thais podia dizer que ele era um profissional com experiência.

– Acontece que a empresa já não produz como antes e estão querendo vender. _ Ele suspirou baixinho, demostrando, pela primeira vez, que era humano. – Eu acho que não há necessidade, acho que podemos reerguê-la.

– Mas você é minoria. _ Concluiu.

– Sim, mas consegui que me dessem um prazo para apresentar crescimento.

– E onde eu entro nisso?

– Estava olhando uns arquivos e descobri que meu pai já estava trabalhando nisso e pretendia chamá-la para ajudá-lo.

E ele certamente não estava feliz com aquilo. Se seus lábios crispados e olhar superior diziam algo, era que não a queria ali. Estava acostumada a isso, uma mulher no mundo corporativo causava estranhamento. Sempre supunham que devia abrir as pernas para conseguir as coisas, ou que o tinha feito para conquistar o que já tinha. Não que se importasse. Júlio a tinha preparado para isso, a tinha ensinado a usar as pernas. Suas pernas eram fortes e resistentes porque abrira muitas portas a chutes. Encarou-o, mantendo sua expressão agradável contra a severa dele. Sabia que ele não queria, mas precisava da ajuda dela, ou não estaria ali. Deixou que o silêncio os rodeasse, aguardando, faria qualquer coisa para ajudar seu mentor, inclusive dar seu sangue para que o legado dele sobrevivesse, mas não levantaria uma folha para ajudar ao filho dele. Ele teria que abaixar sua cabeça, nivelar seu nariz ao dela e lhe pedir ajuda.

– Eu gostaria que me ajudasse.

– Exatamente em que você precisa da minha ajuda?

Se olhar matasse... Os punhais nos olhos dele certamente pareciam afiados. Divertiu-se com sua expressão assassina, mas não sorriu. Ele abriu uma gaveta, retirou um envelope pardo e pôs sobre a mesa, a frente dela. Abriu-o sem esperar maiores informações. Se ele continuasse tão irritado apenas com sua presença, trabalhar com ele seria bem complicado. Um desafio, amava desafios.

– Eu não trabalhava com meu pai, portanto, ainda estou me inteirando das coisas por aqui.

– Você não sabe o que ele planejava fazer para levantar a empresa. _ Afirma, interrompendo-o. – Você tem as anotações das ideias dele, mas nenhum plano certo. _ Coloca os papéis sobre a mesa. – Economize o seu tempo e o meu, seja direto, senhor Brás.

– Não me chame assim. _ Diz, fazendo um careta de desgosto. – Me chame de Daniel.

– Me desculpe, imagino que isso o recorde seu pai.

– Atendendo ao seu pedido. _ Continua, como se ela não tivesse dito nada. – Ainda não achei a conclusão do plano dele. Estou aqui há apenas duas semanas. _ Acrescenta, como justificativa. – Esperava que me ajudasse a procurar ou que, não achando, juntos, pudéssemos elaborar algo.

Agora ele parecia realmente preocupado com o destino da empresa e não mais focado em sua inimizade injustificada contra ela. Recostou-se em sua cadeira, pensativa. Talvez sua irritação não fosse por ela ser uma mulher e precisar de sua ajuda. Ciúmes? Considerou, enquanto analisava sua expressão. Será que se ressentia por ela ter trabalhado com o pai dele, e ele não?

– Será muito bem remunerada por isso.

– Eu tenho certeza que a empresa está podendo arcar com isso.

Não sabia se sua declaração era um incentivo, para que aceitasse, ou uma justificativa para ele se sentir melhor, estando comprando seu trabalho e não pedindo sua ajuda, mas não resistiu em lhe espetar. Ele sim conteve sua resposta, literalmente a engoliu. Apertou seus lábios juntos e estreitou seus olhos para ela. Sorriu, guardando os papéis no envelope.

– Então? _ Inquiriu, sua irritação evidente em sua voz. – O que me diz?

– Preciso de um tempo para me organizar e acrescentar meu trabalho aqui em meu planejamento. _ O encara, ainda sorrindo. – Então poderei ajudá-lo a encontrar e implementar os planos de seu pai, ou organizar e elaborar uma estratégia, se for necessário.

– Uma semana é tempo suficiente?

– Sim. _ Põe-se de pé. – Voltarei na segunda.

– Às oito. _ Se levanta também. – É o horário que o escritório abre.

– Às sete. _ O corrige, divertida. – Se vamos revirar esse lugar atrás de informações, é melhor fazê-lo antes do expediente.

– Tem razão. _ Concorda, abrindo a porta para ela. – Estarei aguardando você na segunda, às sete.

Thais saiu da sala já reorganizando sua vida mentalmente. Assustou-se quando uma mão masculina, seguida de um braço, surgiu a sua frente, abrindo a próxima porta para ela. Só então reparou que Daniel a acompanhava silenciosamente. Tinha uma mão no bolso, e não parecia tão imponente quanto quando estava detrás daquela mesa. Na verdade, parecia bem mais humano. Interessou-se por essa nova imagem, se perguntando o que o forçava a manter a outra. Talvez Daniel fosse mais do que seu alinhamento o fazia aparentar, era filho do Júlio, depois de tudo, tinha que haver algo de bom nele. Quando a última porta surgiu, voltou-se para ele para uma última despedida. Encontrou-o encarando-a com um interesse distinto do profissional.

– Até segunda. _ Diz simplesmente, antes de se virar e partir.

bottom of page